O bairro do futuro

Revista Exame
Sustentabilidade & Urbanismo
O bairro do futuro - PEDRA BRANCA

Um empreendimento catarinense propõe um novo jeito de morar em cidades e é escolhido como projeto-modelo pela ONG de Bill Clinton 

Vladimir Brandão, de EXAME

  Um ousado empreendimento, cuja reputação já cruzou as fronteiras do país, está em curso numa antiga pastagem de gado no município de Palhoça, na Grande Florianópolis. O Pedra Branca Urbanismo Sustentável envolveu alguns dos principais escritórios de arquitetura, urbanismo, paisagismo e engenharia do mundo na elaboração de um projeto radicalmente novo para os padrões brasileiros de cidade. A ideia é que as casas e os prédios do bairro Pedra Branca não tenham muros nem grades e que os moradores deixem os carros na garagem em favor de caminhadas e pedaladas para deslocamentos ao trabalho, à escola ou às compras. Sua concepção permitirá uma economia considerável no consumo de energia e de água. Inovador, ambicioso e ambientalmente correto, o projeto chamou a atenção de gente como o ex-presidente americano Bill Clinton, um dos apóstolos da sustentabilidade planetária. Sua Clinton Climate Initiative, ONG criada para apoiar alternativas aos fatores de mudanças climáticas, incluiu o Pedra Branca numa lista de projetos fundadores de seu Programa de Desenvolvimento do Clima Positivo. Pedra Branca quer ser, hoje, um modelo para os bairros do futuro.
  A empreitada é a segunda etapa de um projeto que começou há dez anos. Valério Gomes Neto, um dos herdeiros da família que controla o grupo Portobello, conhecido pela indústria de revestimentos cerâmicos, criou o bairro Pedra Branca para resolver um problema que enfrentava numa fazenda. A área de 250 hectares estava ameaçada pelo crescimento desordenado da cidade. Uma alternativa seria simplesmente cercar a área e criar um condomínio fechado. Em vez disso, porém, Gomes decidiu fazer algo diferente: criar um bairro planejado. Doou um terreno para a instalação de uma universidade, a Unisul, e atraiu empresas para seus domínios. Hoje, cerca de 40 companhias estão lá instaladas, entre elas uma central de atendimento da empresa de serviços de tecnologia Tivit. Juntas, elas geram cerca de 4 500 empregos. A infraestrutura montada inclui estação de tratamento de esgoto, uma das únicas da região, e um conjunto de vias para caminhadas em meio a bosques e no entorno de lagos. A ideia agradou, milhares de lotes foram vendidos e hoje há cerca de 4 000 pessoas vivendo lá, de acordo com as contas da empresa. O bairro entrou em sintonia com a onda de crescimento da região da Grande Florianópolis, que atraiu muita gente de outros estados em busca de qualidade de vida.
  Agora, o Pedra Branca entra numa segunda - e mais ousada - etapa. Na busca por referências para orientar a expansão do negócio, Gomes se deparou com o que se conhece como new urbanism, um movimento difuso que prevê um novo tipo de cidade. O new urbanism preconiza, entre outras coisas, o chamado uso misto dos bairros. Isso quer dizer que, em vez de uma cidade ser dividida em zonas diferentes para residências, escritórios, comércio e lazer, tudo deve estar integrado nos bairros, para elevar a qualidade de vida. Para isso ser viável em Pedra Branca, porém, a densidade populacional deveria ser relativamente alta - o que vai levar a uma das primeiras mudanças no bairro. Das pranchetas do Pedra Branca começaram a brotar dezenas de prédios. E, em vez de investir apenas em projetos de edifícios sustentáveis, incorporando as tecnologias já existentes, surgiu o esboço de algo muito mais ousado: um bairro inteiramente sustentável. "O new urbanism é uma religião", diz Gomes, "e me converti a ela."
  Fé ajuda, mas não ergue prédios. Um dos primeiros desafios do projeto, porém, já foi vencido: o teste do mercado. Cerca de 70% das unidades residenciais foram vendidas em apenas um mês depois do lançamento da primeira quadra, batizada de Pátio da Pedra. São seis torres, que contêm um total de 217 apartamentos e oito lojas. "As expectativas mais otimistas foram superadas", diz Gomes. O sucesso é ainda mais notável quando se conhecem algumas das peculiaridades do Pedra Branca. Alguns prédios terão lojas no térreo. Outros mesclam salas comerciais e apartamentos. Apesar de um padrão único, os edifícios têm tamanhos e desenhos diferentes e, numa mesma quadra, pode haver prédios com apartamentos de dois quartos ou de quatro suítes, com valores que variam de 200 000 a 1 milhão de reais. Diferentemente do que tem sido a regra nos lançamentos nas grandes cidades, os condomínios do Pedra Branca terão poucos equipamentos de lazer. Em vez de construir uma piscina por prédio, por exemplo, haverá uma por quadra, compartilhada por alguns edifícios. A ideia é valorizar o uso das áreas comuns, como as praças e as calçadas largas.
  Do ponto de vista tecnológico, as edificações incorporam itens como reutilização da água da chuva, geração de energia por placas fotovoltaicas, coleta de óleo de cozinha, tratamento de esgoto e uso de materiais como aço reciclado e madeira certificada. A iluminação das ruas será feita com luminárias de LED, cujo consumo de energia é 80% inferior ao de lâmpadas convencionais de sódio. O projeto, que terá 192 luminárias de LED, é o primeiro da América Latina a utilizar a tecnologia da Philips, fornecedora das lâmpadas. Além de contratar empresas de renome internacional, como o grupo Arup, responsável pela Ópera de Sydney e pelo Cubo D'Água, a icônica estrutura onde aconteceram as provas de natação na Olimpíada de Pequim, o Pedra Branca passou a fazer parte de uma poderosa rede global de conhecimentos, pois os 18 projetos eleitos pela ONG de Bill Clinton trocam experiências e compartilham soluções.

  O objetivo é construir um bairro que terá o tamanho de uma pequena cidade. O plano é chegar a 47 quadras, com mais de 10 000 apartamentos. Em dez anos, a expectativa é que o bairro abrigue 30 000 pessoas. O lançamento da primeira quadra consumiu 50 milhões de reais em investimentos, assumidos pelo Pedra Branca e pelo grupo português Espírito Santo, que se associou ao projeto. Diferentemente dos apartamentos, os espaços comerciais do Pedra Branca não serão vendidos, mas alugados. A ideia é exercer maior controle sobre o mix de lojas. A atração de novas empresas também é fundamental. Gomes busca parceiros para a instalação de uma incubadora de empresas de base tecnológica e de um hospital privado, em sintonia com a maior parte dos cursos oferecidos no campus universitário do bairro. Esse "intervencionismo" define uma das características centrais do projeto: a autogestão.
  Outra característica do projeto é a relação com o entorno e com seus problemas sociais. Há favelas nas redondezas do Pedra Branca. Numa primeira tentativa de integração, foram oferecidos cursos de qualificação de mão de obra para que moradores das favelas possam atuar nas obras civis. Outro desafio está no abastecimento de água e no saneamento, que são exercidos pelo próprio Pedra Branca. A meta é reduzir o consumo e baixar o nível de desperdício para 15%, ante uma média nacional em torno de 40%. Para esses e outros desafios não existem soluções prontas, sinal de que ainda há um longo caminho a percorrer na criação de um bairro verdadeiramente sustentável. Mas pode-se dizer que a largada é animadora.